União terá dificuldades para tributar incentivos

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), voltou atrás e derrubou a liminar que suspendia o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a tributação de empresas que recebem incentivos fiscais de ICMS. Mas, ainda assim, o governo federal vai ter dificuldade de arrecadar o que espera – R$ 70 bilhões pelas contas do ministro Fernando Haddad ou R$ 47 bilhões por ano segundo estimativa da Receita Federal.

Advogados que atuam para empresas afirmam que o Ministério da Fazenda está contando uma vitória maior do que obteve, de fato, no STJ. A leitura que eles fazem do julgamento e das teses fixadas é de que os ministros não deram passe livre para a União.

A cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre os ganhos obtidos com os incentivos estaduais, dizem, estaria permitida somente em casos específicos e não atingiria a maior parte das companhias.

Essa reação abre porta para mais briga judicial. Tanto em instâncias inferiores – caso a União insista com a cobrança de forma generalizada – como no próprio STJ.

Profissionais ligados aos amicus curiae – entidades que participam das discussões como parte interessada – dizem que certamente haverá recurso contra a decisão que foi tomada pela 1ª Seção no conturbado julgamento do dia 26 de abril.

Eles querem que os ministros deixem claro em quais situações a União pode cobrar tributo. “Porque a vitória que está sendo contada pelo governo, de que pode tributar todo mundo e arrecadar bilhões, não é a vitória verdadeira”, frisa um profissional.

Havia duas discussões na mesa. Uma tratava sobre pacto federativo. O STJ firmou entendimento, em 2017, em relação aos créditos presumidos (uma modalidade de incentivo fiscal de ICMS). Disse que, ao tributar, a União estaria esvaziando um benefício concedido por Estados, o que não seria permitido.

O julgamento, desta vez, diria se esse mesmo entendimento – contra a tributação por violar o pacto federativo – poderia ser aplicado aos demais tipos de incentivo concedidos pelos Estados: redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção e diferimento, dentre outros.

A segunda discussão se deu em torno da Lei Complementar nº 160, de 2017 – que promoveu mudanças no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014. Antes dessa alteração havia uma separação entre subvenção de investimento, quando a empresa assume contrapartida ao receber o benefício (ampliação ou construção de uma fábrica), e subvenção de custeio, em que não há contrapartida.

O texto anterior dizia que, no caso de subvenção de investimento, a União não poderia tributar. Depois, com a mudança, passou a constar no artigo 30 da lei que “incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados subvenções para investimento”.

Os contribuintes entenderam que deixou de existir diferença entre os benefícios de ICMS – investimento ou custeio – e, por esse motivo, nada mais poderia ser tributado.

A Receita, porém, continuou insistindo que só não poderia ser tributado o incentivo concedido como estímulo à ampliação do empreendimento econômico. Essa posição está formalizada na Solução de Consulta nº 145/2020.

Caberia aos ministros da 1ª Seção do STJ, então, dizer qual dos dois têm razão: os contribuintes ou o Fisco.

Assim que o STJ encerrou o julgamento, no dia 26 de abril, tanto Haddad como a procuradora-geral da Fazenda Nacional (PGFN), Anelize Lenzi Ruas de Almeida, declararam vitória. Disseram que os ministros concordaram com a União nas duas discussões: não há violação ao pacto federativo e só não pode tributar benefícios com contrapartida.

“Ficou claro que o contribuinte pode ter a tributação do benefício afastada desde que a isenção seja realmente para investimento”, disse a procuradora ainda na sede do STJ.

Nem três quilômetros dali, na Esplanada dos Ministérios, Haddad afirmava aos jornalistas que a decisão dos ministros havia sido “exemplar”. “Era um grande estrago nas contas públicas, e o STJ reparou por unanimidade”, afirmou, enfatizando que o modelo que estava em vigor prejudicava o governo federal em quase R$ 70 bilhões e Estados e municípios em outros R$ 20 bilhões.

A tributação dos incentivos vem sendo tratada pela União como essencial para alavancar a arrecadação e viabilizar o novo arcabouço fiscal.

Mas, segundo advogados, a decisão do STJ não garantiu tudo o que o governo pedia e, consequentemente, os valores que se pretende arrecadar acabaram ficando superdimensionados.

O acórdão – com a íntegra da decisão – não havia sido publicado até o fechamento da edição, às 20h de ontem. Mas as teses fixadas pelos ministros foram lidas no julgamento e constam no sistema do STJ.

São três itens. Os dois primeiros foram propostos pelo relator, o ministro Benedito Gonçalves. O primeiro diz que não se aplica o precedente dos créditos presumidos. Ou seja, a tributação dos demais tipos de benefícios não viola o pacto.

“Aqui a União venceu e tem mesmo que comemorar. Se os ministros tivessem decidido pela violação ao pacto federativo, não haveria nenhuma chance de tributar nada”, diz Rafael Nichele, do Nichele Advogados Associados. “Então, de fato, ganhou, mas ganhou somente em relação a essa parte da discussão.”

Ainda no item um os ministros citam a Lei Complementar nº 160, de 2017. Consta que os contribuintes não serão tributados se cumprirem os requisitos previstos no artigo 10 dessa norma e do artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014.

Essas normas estabelecem que os ganhos com os incentivos têm de ser “registrados em reserva de lucros”. Significa que só podem ser utilizados na própria empresa. Não é permitido, por exemplo, distribuir aos sócios como dividendos ou juros sobre capital próprio.

O item dois também trata da lei complementar. Diz que não se pode exigir das empresas a demonstração de que o benefício foi concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Advogados entendem que esses dois itens se complementam e deixam claro que, aqui, a vitória ficou com o contribuinte. O STJ não estaria diferenciando investimento e custeio, nem permitindo a tributação nos moldes pleiteados pela União.

“Exigir contrapartida não existe mais. Até o Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] já vinha entendendo dessa forma”, afirma Renato Silveira, do Machado Associados.

O terceiro item foi sugerido pelo ministro Herman Benjamin e também trata da Lei Complementar. Diz que a Receita Federal pode fiscalizar e cobrar os tributos se verificar que “os valores foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.

Os advogados dizem que esse trecho não consta na lei e nunca apareceu em decisões anteriores do STJ – nas turmas que julgam as questões tributárias, 1ª e a 2ª.

Estão interpretando, com base nos dois primeiros itens, que se trata de mais um complemento. Os ministros estariam deixando claro que as empresas não precisam demonstrar previamente qual foi a finalidade do benefício – se investimento ou custeio -, mas se a União verificar que o dinheiro não foi utilizado na própria empresa, conforme consta na lei, o Fisco vai poder tributar.

“A tributação fica bastante restrita. A maioria das empresas vinha seguindo o que diz a lei e tentando, na Justiça, estender para o pacto federativo, que não limitaria a utilização dos valores”, afirma Ricardo Varrichio, do escritório RVC.

Os especialistas reconhecem, no entanto, que o item três ficou confuso da forma como foi redigido e acreditam que o governo pode ter visto, aqui, uma brecha para puxar a vitória para o seu lado. É por esse motivo que já se fala em recurso (embargos de declaração) com pedido de esclarecimento.

Com a questão resolvida, eles dizem, a União só conseguirá tributar os benefícios concedidos como custeio se mudar a legislação. “E não conseguiria por medida provisória. Por se tratar de lei complementar, o governo precisaria, em tese, da aprovação de uma nova lei complementar, que depende do Congresso”, afirma Alberto Medeiros, do escritório TozziniFreire. Se aprovada, além disso, a nova lei só teria validade no ano seguinte ao de sua publicação.

O Valor procurou o Ministério da Fazenda. A resposta foi que “a PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional] não vai se manifestar até a publicação do acórdão” do STJ.

Fonte: Valor Econômico, 05/05/2023 – valor.globo.com

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