STF analisa pacote de ‘bombas tributárias’ antes do recesso

Está na mesa dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana um pacote de disputas tributárias que representam uma verdadeira bomba fiscal para a União e os Estados. São quase R$ 150 bilhões discutidos. Instituições financeiras, empresas do agronegócio e do varejo são as principais impactadas pelos julgamentos virtuais, que devem se encerrar na sexta-feira.

Apenas em um dos casos analisados em repercussão geral, está em jogo R$ 115 bilhões referentes à cobrança de PIS e Cofins das instituições financeiras.

No começo do julgamento, na sexta-feira, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, deu razão à tese dos bancos e corretoras de que tinham direito de recolher, entre 1999 e 2014, as contribuições sobre uma base menor do que a pretendida pela União.

Discussão

A discussão, que aguarda definição há mais de uma década, é se a Fazenda Nacional pode exigir as contribuições sobre receitas financeiras — com juros, por exemplo. Os bancos defendem que só devem recolher os tributos sobre receitas com a prestação de serviço, a venda de mercadoria ou a combinação das duas. Seria o caso daquelas geradas com o pagamento, pelos clientes, com emissão de talão de cheque, manutenção de conta corrente e transferências, por exemplo.

Desde a Lei nº 12.973, de 2014, que passou a prever a tributação pelo PIS e Cofins sobre todas as receitas da atividade empresarial, a disputa foi estancada. Um ano antes da edição da norma, o governo abriu um programa de parcelamento (Refis dos bancos) para tentar zerar esse passivo e acabar com a judicialização.

Advogados afirmam que os bancos aderiram em massa ao programa pela possibilidade de pagar os tributos devidos com dispensa de multa e juros. Como contrapartida, deveriam desistir das ações judiciais.

Voto do relator

No voto de 11 páginas, o ministro Lewandowski propôs a seguinte tese para aplicação sobre todos os casos semelhantes: “O conceito de faturamento como base de cálculo para a cobrança do PIS e da Cofins, em face das instituições financeiras, é a receita proveniente da atividade bancária, financeira e de crédito proveniente da venda de produtos, de serviços ou de produtos e serviços, até o advento da Emenda Constitucional 20/1998”.

A conclusão é fundamentada especialmente em duas decisões do STF. Na primeira, proferida em 2005, a Corte declarou inconstitucional o parágrafo 1º, do artigo 3º, da Lei nº 9.718, de 1998. Esse dispositivo estabelecia como receita bruta “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”.

O Supremo interpretou, na ocasião, “receita bruta” e “faturamento” como sinônimos, referindo-se estas à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços (RE 346.084).

Na segunda decisão considerada por Lewandowski, o STF entendeu como sendo consumidor toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito (ADI 2591).

“Da combinação desses entendimentos decorre que as instituições financeiras oferecem produtos ou serviços, cujas receitas integram o conceito de faturamento, repita-se, ainda que não demandem a emissão de fatura”, afirmou o relator. Os demais ministros ainda devem se manifestar (REs nº 609096, nº 880143 e nº 1250200).

Funrural

Outra disputa em andamento esta semana e com impacto bilionário é sobre o Funrural, que é o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural — a contribuição previdenciária do setor agropecuário.

São três ações em análise. Em uma delas se discute se há a obrigação de fazer a retenção do Funrural (ADI 4395). Interrompido em maio por pedido de vista, o julgamento virtual foi retomado na sexta-feira. O placar está em seis votos a cinco para manter a constitucionalidade da contribuição, mas derrubar a obrigação do produtor rural pessoa física reter e recolher o tributo nas operações de venda para pessoa jurídica.

Nas demais ações, a disputa é sobre a base de cálculo do Funrural — se seria a receita bruta proveniente da produção ou a remuneração paga ou creditada aos segurados empregados. O impacto de ambas, somadas, é de R$ 24 bilhões e afeta agroindústrias (RE 611.601) e produtores rurais pessoas jurídicas (RE 700.922).

No primeiro caso, o relator, ministro Dias Toffoli, validou a contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção.

No recurso envolvendo as pessoas jurídicas, por sua vez, existem quatro votos com correntes de votos distintas. O relator, ministro aposentado Marco Aurélio, entendeu pela inconstitucionalidade da contribuição à seguridade social, a cargo do empregador rural pessoa jurídica, incidente sobre o produto da comercialização da produção. Foi seguido pelo ministro Edson Fachin.

O ministro Alexandre de Moraes, contudo, abriu a divergência. Entendeu como constitucional as contribuições devidas à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. O ministro Dias Toffoli acompanhou em parte a divergência.

Difal do ICMS

Também está sob análise dos ministros uma questão crucial para o caixa dos Estados. Trata-se do litígio sobre a cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS. Ao reabrir o julgamento na sexta-feira, o ministro Gilmar Mendes diminuiu a vantagem das empresas sobre os Estados. O placar, com o voto dele, está em cinco votos a três.

Os ministros estão decidindo sobre a data de início das cobranças. Se os Estados poderiam ter exigido o pagamento do Difal neste ano de 2022 ou se as cobranças só serão permitidas a partir de 2023. Essa diferença de tempo, apesar de curta, tem custo alto. Os Estados estimam perda de R$ 9,8 bilhões sem o Difal de 2022 nos cofres públicos.

A conclusão ainda depende dos votos de três ministros: Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Nunes Marques. As empresas precisam, portanto, que pelo menos um deles se manifeste a favor para atingir a maioria de votos necessária para a vitória. Se conseguirem, irão escapar de uma dívida de bilhões de reais.

Representantes das empresas, principalmente do varejo — o mais atingido —, afirmam que eventual decisão desfavorável pode gerar endividamento. Muitas companhias venderam mercadorias, até aqui, sem considerar o pagamento do imposto, o que resultou em preços mais baixos ao consumidor.

Com a permissão da cobrança, dizem, além de carregar o prejuízo das vendas em valor menor, correm o risco de autuações fiscais e ter que pagar o Difal desde janeiro, corrigido pela Selic e com multa de mora de 20%.

O Difal é usado para dividir a arrecadação do ICMS do comércio eletrônico entre o Estado de origem da empresa e o do consumidor. A companhia paga a alíquota interestadual — 7% ou 12% (dependendo do local) — para o Estado onde está localizada e o Difal para o de destino da mercadoria.

Fonte: Valor Econômico, 11/12/2022 – valor.globo.com

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