A Receita Federal publicou instrução normativa que reduz o alcance do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) – que abrange também a área do turismo. Pela norma, o benefício fiscal previsto no programa não valeria para empresas no Simples Nacional e só poderia ser usufruído por contribuintes com atividades ligadas diretamente a esses setores.
A Instrução Normativa RFB nº 2114, de 31 de outubro, também exclui do benefício fiscal as receitas e os resultados oriundos de atividades econômicas não relacionadas aos setores de eventos e turismo ou que sejam classificadas como receitas financeiras ou receitas e resultados não operacionais. O programa prevê alíquota zero de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins pelo prazo de cinco anos.
O Perse foi instituído pelo governo federal em maio de 2021, com a edição da Lei nº 14.148. O objetivo da medida foi compensar os setores de eventos e turismo pelo impacto causado com as decretações de lockdown e isolamento social durante a pandemia da covid-19. Além do benefício fiscal, o programa prevê o parcelamento de dívidas tributárias e com o FGTS. Podem ser quitadas com desconto de até 70% e em 145 meses.
Na regulamentação da lei, o próprio Ministério da Economia havia incluído no Perse atividades que não estão diretamente relacionadas a eventos e turismo – como serviços de segurança e vigilância, instalação de portas, janelas, tetos, divisórias e armários embutidos e impressão de material para uso publicitário. Mas já havia estabelecido uma restrição, mantida pela IN: a exigência de inscrição no Cadastur, um cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor de turismo. A medida trouxe dificuldades a bares e restaurantes, que decidiram ir à Justiça.
Agora, pela interpretação da Receita Federal, várias atividades listadas estariam fora do programa e não poderiam usufruir do benefício fiscal, assim como receitas e resultados não ligados aos setores de eventos e turismo.
Na prática, um hotel, que é beneficiado pelo programa federal, teria que separar as receitas ligadas à atividade de hospedagem, que são isentas, de outras que eventualmente possa ter, como estacionamento e venda de souvernirs ou roupas, estimam tributaristas ouvidos pelo Valor.
Para eles, por meio da instrução normativa, a Receita Federal restringiu o benefício tributário. De acordo com o advogado Marcelo Bolognese, do escritório Bolognese Advogados, o texto determina que o benefício fiscal seja aplicado somente às atividades relacionadas a eventos e turismo, o que contraria o sentido da Lei do Perse, que não contém a mesma restrição.
O tributarista Octavio Alves, do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, destaca que a instrução normativa exige que a empresa relacione as receitas obtidas no exercício das atividades ligadas aos setores de eventos ou turismo. “A IN 2114, da forma como está, dá subsídio para os fiscais dificultarem, o que flerta com violar a lei, que fala da atividade exercida”, afirma.
Segundo o tributarista Rafael Nichele, a lei não vincula à receita ou ao código de uma mercadoria, somente à atividade. “A lei não fala em receita da atividade, fala em pessoas jurídicas”, diz ele sobre o direito à isenção.
Nichele também critica a exigência de inscrição no Cadastur até o dia 18 de março deste ano – nova data prevista pela IN. Considera um critério “aleatório e arbitrário”, já que um bar ou restaurante que se cadastrou em abril não teria o direito aos benefícios previstos no Perse.
Thiago Marques, sócio do escritório Bichara Advogados, também lembra que, além da exigência de divisão de receitas, a Receita Federal indica que alguns setores que não estão diretamente ligados a turismo e eventos, mas foram listados pelo Ministério da Economia entre os beneficiados, não teriam direito à alíquota zero, apenas ao parcelamento previsto no Perse.
O tributarista Lucas Corsino de Paiva, sócio do BBMM Advogados destaca que, nesse ponto, há conflito da instrução normativa com a própria portaria do Ministério da Economia que listou as atividades com direito ao benefício fiscal.
As restrições, alerta Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio da área tributária do VBD Advogados, podem levar a mais judicialização. “A instrução normativa restringiu o escopo da Lei nº 14.148, o que certamente ensejará diversas medidas judiciais por parte dos contribuintes junto ao Poder Judiciário”, diz. Ele acrescenta que os questionamentos podem ocorrer pelo fato de as restrições estarem previstas em ato infralegal editado pela Receita Federal.
Dentre os pontos que poderão ser questionados, afirma, estão a exclusão das atividades-meio, acessórias e receita não operacional do benefício fiscal e a exigência de cadastro como condição para o direito à alíquota zero dos impostos. O advogado acredita que o Poder Judiciário receberá “uma enxurrada” de medidas judiciais sobre o Perse.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2022 – valor.globo.com
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